segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

163. do NIETZSCHE

"Só não falem de dons e talentos inatos! Podemos nomear grandes homens de toda espécie que foram pouco dotados. Mas adquiriram grandeza, tornaram-se 'gênios' (como se diz) por qualidades de cuja ausência ninguém que dela esteja cônscio gosta de falar: todos tiveram a diligente seriedade do artesão, que primeiro aprende a construir perfeitamente as partes, antes de ousar fazer um grande todo; permitiram-se tempo para isso, porque tinham mais prazer em fazer bem o pequeno e secundário do que no efeito de um todo deslumbrante. É fácil dar a receita, por exemplo, de como se tornar um bom novelista [ator], mas a realização pressupõe qualidades que geralmente se ignora, ao dizer "eu não tenho talento o bastante". Que alguém faça dezenas de esboços de novelas [peças teatrais ou atores], nenhum com mais de duas páginas, mas de tal clareza que todas as palavras sejam necessárias; que registre diariamente anedotas, até aprender a lhes dar a forma mais precisa e eficaz; que seja infatigável em juntar e retratar tipos e caracteres humanos; que sobretudo conte histórias com a maior frequência possível e escute histórias, com olhos e ouvidos atentos ao efeito provocado nos demais ouvintes; que viaje como um paisagista e pintor de costumes; que extraia de cada ciência tudo aquilo que, sendo bem exposto, produz efeitos artísticos; que reflita, afinal, sobre os motivos das ações humanas, sem desdenhar nenhuma indicação que instrua nesse campo, e reunindo tais coisas dia e noite. Nesse variado exercício, deixe-se passar uns dez anos: então o que for criado na oficina poderá também aparecer em público. _Mas como faz a maioria? Não começa com as partes, mas com o todo. Um dia podem acertar um bom lance e despetar a atenção, mas depois fazem lances cada vez piores, por boas razões, por razões naturais. _ Às vezes, quando faltam o caráter e a inteligência para dar forma a um tal plano de vida artística, o destino e a necessidade lhes tomam o lugar e conduzem o futuro mestre, passo a passo, através de todas as exigências de seu ofício".

A Seriedade no ofício - Friedrich Nietzsche

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